sábado, 28 de setembro de 2019

ALTO ALEGRE E A PRELAZIA DE GRAJAÚ (parte 2)


Diante de todas as dificuldades impostas por diversos fatores elencados anteriormente, as tensões e equívocos cumularam no massacre ocorrido na madrugada do dia 13 de março de 1901.
Segundo o relato de testemunhas, eram cinco horas da manhã, daquele fatídico domingo, enquanto frei Zacarias subia ao altar para rezar a missa, na presença de todas as irmãs e as alunas bem como alguns fiéis, um grupo armado de indígenas entrou na capela, atirando em todos os presentes. O assalto espalhou-se por toda a colônia, de modo que até as fazendas da vizinhança também foram alvos do massacre. Os corpos dos frades e das irmãs foram jogados em uma vala próxima ao convento das irmãs. Foram mortos quatro frades, sete irmãs, dois terciários da OFS e, segundo os relatos, cerca de 200 cristãos, entre colonos, fazendeiros e alguns índios. O massacre de Alto Alegre é o maior massacre de índios contra brancos na história do Brasil. O grupo dos frades massacrados era composto por:
Frei Rinaldo de Paullo, que havia sido o superior regular da Missão e havia retornado à Alto Alegre havia pouco tempo;
Frei Zacarias de Malegno, que embora morando na fraternidade de Barra do Corda, estava em Alto Alegre a fim de consertar um sino;
Frei Vítor de Luranno, responsável dos trabalhos da colônia, sobretudo na operação da lavoura e do cultivo de lã.
Frei Salvador de Albinno, frade não clérigo, mas de grande valia, sobretudo na iniciação cristã dos colonos;
As irmãs capuchinhas de Madre Rubatto, que na época ainda eram uma jovem congregação, tiveram sete de suas filhas ceifadas precocemente. Seis italianas e uma brasileira; eram elas: Ir. Eufêmia, Ir. Inês, Ir. Eleonora, Ir. Maria, Ir. Benedita, Ir. Natalina e Ir. Ana Maria de São Luís.[i] Também tiveram suas vidas ceifadas os leigos: Dona Carlota de Barra do Corda e Pedro Novaresi, italiano. Os dois eram membros da Ordem Terceira Franciscana.




Os restos mortais dos frades e irmãs mortos em Alto Alegre estão encerrados em uma urna marmórea em uma das capelas laterais da igreja matriz de Barra do Corda desde 1951.

Desde 1951, a fachada da igreja matriz de Barra do Corda exibe as efígies dos frades e irmãs tombados em Alto Alegre.


Após o massacre, somente depois de um mês, os frades, com o apoio da força policial, puderam retornar a Alto Alegre. frei Carlos, que além de ocupar a função de superior regular, era também encarregado da Colônia do Prata, ficou profundamente abalado com a cena trágica, atingido na mente e no corpo.
O massacre de Alto Alegre fez a missão tomar outros rumos. Naquele ano, tornou-se superior regular Frei João Pedro de Sexto San Giovanni, então guardião do Convento do Carmo. Frei Carlos foi transferido para a fraternidade de Belém. A Colônia do Prata passou então a ser dirigida pelo jovem frei Daniel de Samarate.
O massacre repercutiu imediato e enormemente em toda a missão. Frei Davi de Desenzano de Canindé e Frei Daniel de Samarate da Colônia do Prata enviaram seus pêsames. No dia 23 de março, foram celebradas na Igreja do Carmo as exéquias solenes dos mártires, com a presença do governador Torreão, dos lideres da política do estado, além da alta classe social da época. A missa foi cantada pelo coro e regência do maestro Antonio Rayol. Em Barra do Corda, o vigário frei Estevão ordenou logo a construção de uma pequena capela-jazigo para os frades e as irmãs. Os frades de Alto Alegre ficariam para sempre lembrados no coração dos missionários.
As irmãs capuchinhas de Madre Rubatto também direcionavam suas filhas para outras missões. Por conta disso, para atender a urgente necessidade de uma presença feminina no instituto indígena do Prata, em 1904, frei João Pedro fundou uma congregação para ajudar os frades na missão. Das décadas que se seguiram, o trabalho missionário entre os índios seguiu-se de modo tímido e mais sistemático. A partir de então, os frades direcionavam as suas energias para outra atividade típica dos padrões da Ordem: Os Santuários.
Elencamos de maneira rápida três exemplos do trabalho dos capuchinhos nas capitais, sobretudo na ajuda aos pobres e no sacramento da confissão:

·         São Luís, Igreja do Carmo: depois que os frades assumiram a igreja e o convento, trataram de tornar o Carmo como um grande centro de evangelização. O serviço dos frades caracterizou-se pela confissão, assistência religiosa na catedral e adjacências, além da capelania de hospitais e escolas católicas. A instrução católica no Maranhão, a partir de São Luís, era o combate a doutrinas consideradas anti-cristãs ou ocultistas. Em 1913 os frades conseguiram in perpetuum o convento do Carmo, por meio de um leilão no Rio de Janeiro. No mesmo ano chegam oficialmente no bairro do Anil, onde as irmãs capuchinhas também inauguram uma escola.
·         Belém do Pará, Igreja São Francisco: No Pará, capital do estado, os frades iniciam a obra do pão dos pobres de Santo Antônio, além do trabalho na periferia de uma cidade que estava em constante crescimento. A atividade dos missionários em Belém foi mais específica, conquistando boa fama e tradição entre os paraenses. No interior, os frades também fizeram algumas missões em algumas pequenas cidades próximas à capital.
·         Fortaleza, Santuário do Sagrado Coração de Jesus: Foi na capital do Ceará que a obra dos capuchinhos pareceu mais original: pregações nas campanhas religiosas e novenários, mutirão de confissões e funções religiosas. O Santuário do Sagrado Coração de Jesus tornara-se o centro da misericórdia na capital do Ceará.

Santuário Sagrado Coração de Jesus (Fortaleza-CE)

Santuário São Francisco (Belém-PA)

Igreja do Carmo (São Luís-MA)





[i] MICHELI, Camilo. Clarões de bondade e heroísmo das sete religiosas massacradas. Fortaleza: Edições A Voz de São Francisco, 1951.

ALTO ALEGRE E A PRELAZIA DE GRAJAÚ (parte 1)

Capela São José da Providência em Alto Alegre (Foto de 1980).


ALTO ALEGRE E A PRELAZIA DE GRAJAÚ
A catequese entre os índios foi uma das principais finalidades da missão, sempre defendida pelo fundador e pai Frei Carlos de S. Martino Olearo. Antes de serem oficialmente fundadas as colônias de Alto Alegre e Prata, os frades, sempre encabeçados por fr. Carlos, visitaram mais de 20 aldeias nas redondezas de Barra do Corda e no Pará, ao longo do rio Capim e no Maracanã.
A colônia de Alto Alegre teve seus inícios em 1896, sendo fruto de acordos entre os capuchinhos e o governo brasileiro. Na cidade de Barra do Corda os frades mantinham uma escola em regime de externato para os indígenas do sexo masculino. Com a presença de uma comunidade religiosa no meio das aldeias Guajajara idealizou-se então uma colônia agrícola, com uma escola em regime de internato, a ser gestido por uma congregação de irmãs. Em 1898, o então superior regular frei Rinaldo de Paullo conseguiu em Gênova uma congregação de irmãs que pudessem cuidar do internato de Alto Alegre. Conseguindo falar com Madre Francisca Rubatto, fundadora de uma congregação de irmãs capuchinhas, elas deveriam estar em Alto Alegre no inicio do ano seguinte. Vindas de Montevidéu, no Uruguai, as irmãs chegavam a São Luís do Maranhão. Eram seis. Passando por São Luís, uma jovem terciária chamada Ana Maria acabou se encantando com o testemunho missionário e entrou na congregação.
Depois de dois meses de penosa viagem desde são Luís, as irmãs chegaram a Barra do Corda, ovacionadas pela população local. Em Alto Alegre, juntamente com os frades, elas deveriam tomar conta de uma população de cerca de quarenta aldeias que circundavam a colônia. Juntamente com as irmãs, trabalhavam os frades: Frei Celso de Uboldo, diretor da colônia, frei Salvador de Albino e frei Zacarias de Malegno. Frei Carlos de San Martino, que naquele período já não era mais o superior regular, estava na fundação da colônia de Santo Antônio do Prata.
No ano de 1900, com a sucessiva renomeação de frei Carlos como superior regular da Missão, frei Rinaldo voltou novamente à Alto Alegre. Em um espaço de oito anos, a colônia de Alto Alegre crescera, e tendo como objetivo a educação indígena, os frades logo acolheram também as filhas de alguns fazendeiros e colonos que moravam na região. Entretanto, alguns acontecimentos acabaram por dificultar o trabalho dos missionários na missão de Alto Alegre. Entre os quais, destacam-se:
·         A Epidemia de sarampo (1900) que matou quase a metade das meninas índias, gerando um mal estar no relacionamento entre as irmãs e as mães das crianças;
·         Os frades não eram muito bem vistos pelos comerciantes de Barra do Corda e Grajaú, bem como outros da capital, por conta do desenvolvimento da colônia agrícola, sempre em caminho para autonomia econômica;
·         A punição dada ao índio João Caboré (líder de grande influência entre os índios) por este, apesar de ter contraído matrimônio segundo as leis da Igreja, acabou por possuir uma concubina; o cacique Caboré foi punido pelos frades e acabou desentendo-se com eles.
·         A morte de frei Celso de Uboldo, por febre amarela. Frei Celso havia sido o diretor da colônia, e era muito estimado entre os índios.
O índio Caboré, que outrora havia fugido da colônia, tinha prometido vingança. Em janeiro de 1901, ele se encontrou em São Luís, no Palácio dos leões, com o então governador do estado João Gualberto Torreão da Costa, e foi-lhe conferida a “patente” de chefe supremo dos índios Guajajara no Maranhão; e mais, ainda lhe foram cedidas armas e munições. Segundo as crônicas dos jornais e de outras publicações que por muito tempo foram difundidas, Caboré saiu de São Luís e passou por diversas aldeias de todo o estado, rumo à Alto Alegre, para efetuar sua vingança.
Os acontecimentos de Alto Alegre sempre foram objeto de discussão de diversos antropólogos, sociólogos, historiadores, dentre outros. Porém, não se pode desconsiderar o trabalho e a coragem dos frades e irmãs que se doaram pela missão; se doaram até a morte, e por causa disso se tornaram ícones na história da atividade missionária no Maranhão. A versão tida como “oficial” da narração do sucessivo massacre que ocorreu em Alto Alegre foi por muito tempo difundida pelos jornais na época, e em outras publicações dos capuchinhos, no Brasil e na Itália.